Mário Zan, em uma chalana, no Rio Paraguai - foto cedida gentilmente por Mariangela Zan, filha do músico, para esta página.
MÁRIO ZAN, civilmente Mário João Zandomenighi, nascido em Veneza (Itália) a 9 de outubro de 1920 e falecido em São Paulo a 8 de novembro de 2006, não era violeiro e nunca tocou uma viola da forma magistral como o fez com o acordeão. É provável, até, que jamais tenha tocado uma viola.
Mas, não há um violeiro, um sequer, que não execute uma canção desse ítalo-brasileiro que veio com a família para o Brasil aos 4 anos de idade, desembarcando em Santa Adélia, interior do Estado de São Paulo. E entre essas canções está o rasqueado “Chalana”, dele e do paulista Arlindo Pinto (1906-1968), autor de expressivas composições sertanejas nas décadas de 1940 e 1950. Foi composta por volta de 1944, originalmente para acordeão, e gravada pelo Duo Brasil Moreno em 1952, em um 78 RPM que tinha do Lado B outro rasqueado, “Abandonada”, de Palmeira e Mário Zan.
O Duo Brasil Moreno, formado pelas irmãs Dora (Dora de Paula, 1917) e Didi (Antonia Glória de Paula, 1914), ambas paulistas de Guariba e já falecidas, regravou “Chalana” em 1969, em LP. Pertencentes a família de cantores, as duas começaram a cantar com outros irmãos em programas de calouro no final dos anos 1940. Inicialmente, como quarteto, depois trio. A dupla veio em 1952, permanecendo até metade da década de 1970.
O sanfoneiro Mário Zan
Em 1954, o próprio Mário Zan gravou a primeira versão instrumental de “Chalana” em um disco 78, pela RCA Victor, que tinha do Lado A “Falem de mim”, dele e Messias Garcia. Na sua concepção, a música instrumental (ou solada, como se referia às suas execuções, em que somente se toca o instrumento) permite que o ouvinte faça outras coisas enquanto escuta; a cantada exige atenção.
“Chalana” se transformou em um clássico e foi gravada também, dentre dezenas de outros intérpretes, por Zé do Rancho, no disco A Viola do Zé (1966); Duo Brasil Moreno – Chalana (1969); Tonico e Tinoco, no LP Laço de Amizade (1971); Almir Sater no CD Almir Sater no Pantanal (1990); Renato Teixeira e Pena Branca & Xavantinho, Ao vivo em Tatuí (1992), Helena Meirelles no seu primeiro disco (1994) e no CD ao vivo (2002); Pena Branca & Xavantinho, no CD Pingo D’Água (1996) e Sérgio Reis, em Grandes Sucessos (1999).
Mais recentemente, gravaram “Chalana”, Bruno e Marrone (com participação de Milionário e Zé Rico), no CD Acústico Volume II (2007); Divino e Donizete, em Perfil Sertanejo (2007); Roberta Miranda, no CD Senhora Raiz (2008); Viola do Cerrado, Ao Vivo (2008), Rolando Boldrin & Almir Sater, em Coração Sertanejo 2 (2009) e João Neto e Frederico, no CD Só Modão (2009).
No início dos anos 1990, a partir da telenovela “Pantanal”, da Rede Manchete, cuja trilha sonora incluía uma gravação de “Chalana” por Almir Sater, a canção se transformou em hino da região pantaneira, onde estão os Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Na definição da folclorista e apresentadora de rádio e televisão Inezita Cardoso (Inês Madalena Aranha de Lima, 1925) é a música que simboliza o Pantanal.
Musicalmente, a composição de Mário Zan e Arlindo Pinto representa na concepção de pesquisadores e músicos, entre os quais Almir Sater o primeiro movimento para a fusão da música brasileira com a música paraguaia – que viria a se materializar anos mais tarde. Embasamento musical ele possuía, pois, já no começo da carreira profissional, em 1933, tocava diversos ritmos, a ponto de, tão logo gravar o primeiro disco, um 78 RPM com o tango “El Choclo” e a valsa “Namorados”, da sua autoria, receber o convite para uma excursão de três meses por cidades do Sudeste e Centro-Oeste do País.
Foi justamente durante esta excursão, entre 1943 e 1944, que lhe veio a inspiração para compor a melodia de “Chalana”, cuja letra foi escrita depois por Arlindo Pinto. Da janela de um hotel, nas margens do Rio Paraguai, em Corumbá, o músico divisava uma curva do rio e, descendo as águas do rio, uma chalana. Sua filha, a instrumentista e cantora Mariângela Zan, em sua página na Internet, no espaço reservado à história do pai, traz o depoimento do sanfoneiro: “A canção surgiu do nosso sofrimento durante a excursão, da saudade que sentíamos, sem notícias da família”.
Mário Zan e outros artistas chegando a Corumbá, em 1944, na histórica excursão - foto cedida gentilmente por Mariangela Zan, filha do músico.
Segundo o Dicionário Houaiss o termo chalana define as embarcações usadas em águas fluviais, de fundo chato, lados retos e com proa e popa salientes. Na prática, é usada para a navegação nos rios pantaneiros, entre Brasil e Bolívia, mais acentuadamente no Rio Paraguai. É o principal meio de transporte nas regiões mais longínquas do Pantanal, por ser de grande porte. Ao contrário da gaiola, sem divisões internas, a chalana possui cabinas para passageiros.
Além de “Chalana”, hino das bandas pantaneiras brasileiras, outra composição do músico ítalo-brasileiro, o dobrado “Quarto Centenário”, se destacou e se transformou no hino da Cidade de são Paulo. Foi composta em 1954 em parceria com J. M. Alves para homenagear os 400 anos da fundação da Cidade de São Paulo e venceu o concurso municipal. O disco, também em 78 RPM, vendeu 1 milhão de cópias em poucos meses.
A beleza emanada da singeleza, mas jamais vulgar, das melodias compostas por Mário Zan ficou evidente, tal qual ocorreu com a “Chalana”, em Pantanal, também em “Nova Flor” (Os homens não devem chorar). Originalmente um rasqueado e gravada por Mário Zan em 1958, esta canção entrou na trilha sonora internacional da primeira edição da novela “Pecado Capital”, da Rede Globo, em 1976, com o grupo vocal norte-americano The Letterman cantando a versão inglesa “Love me like a stranger”.
“Nova Flor”, que recebeu o título “Los hombres no deben llorar” na letra versada para o espanhol por Pepe Ávila, foi gravada por Roberto Carlos em 1992, a partir de uma nova feição que ele e Erasmo Carlos deram à letra, a partir da edição espanhola, com toque de bolero. Na nova versão, os criadores da extinta Jovem Guarda sacrificaram a expressão “nova flor”, base do título original da canção de Palmeira e Mário Zan.
Os pesquisadores afirmam que a discografia de Mário João Zandomenighi – cuja simplificação para Mário Zan teria sido sugestão de Walter Foster – reúne cerca de 300 discos em 78 RPM, 105 LPs, além de 40 CDs, dos quais 30 ainda estão em catálogo. Os pesquisadores creditam essa popularidade, principalmente, ao fato de Mário Zan ser identificado em todo o País como o maior solista de festas juninas. Luiz Gonzaga costumava dizer, sempre que o chamavam de rei da sanfona: “Eu sou o rei do baião; o rei da sanfona é Mario Zan”.
Breve cronologia
1920 – Nasce, na região de Vêneto, nordeste da Itália, cuja capital é Veneza.
1924 – Chega ao Brasil, com a família.
1933 – Estréia como sanfoneiro profissional.
1939 – Começam as apresentações em rádios, pela Cruzeiro do Sul.
1940 – Vai ao Rio de Janeiro conhecer Luiz Gonzaga, onde fica por um tempo e toca na casa noturna Sambadancing.
1944 – Volta para São Paulo e inicia os shows, começando por Corumbá;
Compõe “Chalana”, que recebe letra de Arlindo Pinto;
Grava primeiro disco de 78 RPM com o tango “El Choclo” e a valsa “Namorados”, da sua autoria, pela Continental.
1946 – Indicado por Luiz Gonzaga para ocupar o seu lugar de solista na gravadora RCA, onde gravou mais de 300 discos de 78 rotações e 40 LPs.
1948 – Grava disco só com músicas juninas e cria a marcação cantada da quadrilha.
1954 – Grava o rasqueado “Chalana”, pela RCA Victor;
Grava o dobrado “Quarto Centenário”, em homenagem aos 400 anos da fundação da Cidade de São Paulo, em parceria com J. M. Alves;
Participa do filme “Da terra nasce o ódio”, de Antoninho Hossri.
1956 – Dedica-se a pesquisa musical e lança tupiana, um tipo índio com batidas ritmadas.
1958 – Grava o rasqueado “Nova flor” (Os homens não devem chorar).
1960 – Participa do filme “Tristeza do Jeca”, de Milton Amaral.
1963 – Participa do filme “Casinha pequenina”, de Glauco Mirko Laurelli.
1976 – A versão inglesa de “Nova Flor” (“Love me like a stranger”) gravada pelo grupo vocal norte-americano The Letterman entra na trilha sonora internacional da novela “Pecado Capital”, da Rede Globo.
1989 – Lamenta a morte de Luiz Gonzaga e prevê a descaracterização da música de São João.
1990 – “Chalana” faz parte da trilha sonora da novela “Pantanal”, da Rede Manchete.
1998 – Comanda o programa “Mário Zan e seus convidados”, na TV Rede Vida.
2002 – Sua obra é tema de enredo da Escola de Samba Rosas de Ouro.
2004 – A composição “Festa na roça”, parceria com Palmeira, foi apontada em pesquisa realizada pela Ecad como uma das mais tocadas nas festas juninas e joaninas no Brasil;
Recebe título de Cidadão Honorário de São Paulo, por ocasião dos festejos dos 450 anos da cidade;
Homenagem da Escola de Samba Rosas de Ouro, na passagem dos 450 anos da Cidade de São Paulo.
2006 - Homenagem dos governos dos Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, pela autoria do rasqueado “Chalana”.
Sepultado, em São Paulo, no Cemitério da Consolação, em túmulo vizinho ao da Marquesa de Santos, como era seu desejo.
http://adonato.wordpress.com/2009/07/08/mario-zan-compositor-de-hinos/
Com informações das páginas Saudade da Minha Terra, Viola na Pauta, Raiz Caipira, Mariangela Zan e Dicionário Crabo Albin da MPB.
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