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domingo, 27 de novembro de 2011

O Cururu, Origens e Definições

Por Sérgio Santa Rosa

Sérgio Santa Rosa é jornalista e autor do livro “Prosa de Cantador”, à venda pelo site www.abacateiro.com

De maneira simples, podemos definir o cururu como desafio cantado, praticado na região do Médio Tietê. No entanto, existem muitas definições mais completas e menos consensuais, que levam em conta algumas hipóteses para a origem da manifestação.

Para João Chiarini, o cururu é uma “competição popular, luta amistosa entre canturiões”. Ele discorda dos que definem o cururu como uma dança, em razão da pobreza coreográfica. Para Chiarini os cururueiros simplesmente rodavam, o que por si só, não caracterizaria uma dança. O cururu seria uma cantoria de origem luso-afro-indígena.

A corrente que crê que o cururu seja uma dança tem representantes de peso como Mário de Andrade, Antônio Candido, Alceu Maynard de Araújo e Câmara Cascudo. Mas mesmo entre eles não há consenso. Mário de Andrade, Alceu Maynard e Antônio Candido entendem que o cururu teve origem a partir da adaptação das danças cerimoniais indígenas, enquanto Câmara Cascudo fala em “invenção jesuítica para efeitos catequéticos”; daí seu caráter respeitoso, desprovido de intenções sexuais.

Se não há consenso, é certo, porém, que o cururu sofreu transformações e hoje é apenas um desafio entre cantadores, uma forma de repentismo caipira, em que, pelo menos desde a década de 1950, inexistem movimentos coreográficos.

O professor Alberto Ikeda elabora uma seqüência das transformações ocorridas na manifestação:

1) Danças cerimoniais indígenas;
2) reinterpretação das danças derimoniais indígenas
3)cururu-dança: dançado em roda, diante dos altares, com temática predominante religiosa e com canto improvisado (desafio implícito). Comum no ambiente rural;
4) cururu cantoria-de-improviso: adaptado ao ambiente urbano como espetáculo, sem dança, com temática profana (desafio explícito);
5) cururu-canção: gênero de canção sertaneja, com permanência apenas do ritmo tradicional.

Mas o que dizem os cantores remanescentes, os verdadeiros transmissores da tradição, sobre as origens do cururu? O canturião Abel Bueno, de Piracicaba afirmou:
Tem historiador que fala que o cururu é de Portugal. Eu falo que não porque se fosse, lá tinha cantador e lá não tem. O cururu foi criado aqui na Média Tietê, no triângulo Sorocaba, Piracicaba e Botucatu, incluindo as cidades aqui no ramal. Quando começaram a cantá o cururu foi na saída da bandera, quando criaro a bandera do Divino, em São Sebastião da Pedra Grande, que depois passo a chamá Capela de São Sebastião e hoje chama distrito de Laras, em Laranjal Paulista.

Outro veterano de cantoria, Horácio Neto, de 84 anos, me corrigiu quando falei em cururu dançado, mostrando uma concepção da coreografia mais próxima da de João Chiarini:

Num é bem dança. É virano em roda.

Mais poética que todas as definições e teorias elaboradas pelos estudiosos é a origem mítica do cururu cantada de Pedro Chiquito na gravação “CururuAntigo”, lançada em disco de 78 rotações, no início da década de 1960.

Me falô os antepassado
De uma lenda que existiu:
Santo Onofre e São Gonçalo
Um dia esses dois reuniu.
Da barba de São Gonçalo

Retiraram 12 fio;
Encordoaro na viola
Com toêra e canotio.
Desse dia por diante
Foi que o cururu existiu.

Tão controversa quanto as origens da manifestação são as possíveis origens da sua denominação. Alceu Maynard cita Basílio de Magalhães que afirma ser cururu a palavra usada para dizer sapo, na língua indígena abanheenga. Segundo ele, a expressão “sapo cururu” é pleonasmo. Outra hipótese também aventava por Alceu Maynard é que cururu seja a corruptela, em língua tupi, da palavra “cruz”, que antigamente seria pronunciada “cruce” ou “curu” pelo catequisador.

O folclorista sorocabano Benê Cleto aceita a origem da denominação da manifestação folclórica na palavra “cururu”, como o sentido de sapo em nheengatu. O cantador Luizinho Rosa também vai no mesmo sentido:           

O cururu, ele vem mais o mêno de um histórico que é o nome antigo do sapo. Sapo, porque vem dos índio que dançava tudo pulano que nem sapo. Então surgiu essa lenda do cururu com o nome de sapo. Esse é o começo do cururu.

Área de Ocorrência

A denominada “zona cururueira” é a região conhecida por Vale do Médio Tietê. Outros preferem circunscrever o cururu à área compreendida entre os municípios de Piracicaba, Sorocaba e Botucatu.

O fato é que, além dessas três cidades, o cururu paulista pode ser encontrado em localidades como Votorantim, Piedade, Pilar do Sul, Ibitiruna, Pirambóia, Laras, Laranjal Paulista, Vitoriana, Piapara, Araçoiaba da Serra, Itapetininga, Angatuba, Maristela, Conchas, Pereiras, Rubião Junior, Pardinho, Porto Feliz, Tietê, Jumirim, Bofete, Porangaba, Cesário Lange, Capivari, Saltinho, Rio das Pedras, Tatuí, Boituva, Cerquilho, Mombuca, Quadra, Santa Bárbara d`Oeste, Artemis, São Pedro, Anhembi, Salto de Pirapora, Itu, Rafard, Iperó e Capela do Alto, entre outras.

Existe cururu também nos estados de Mato Grosso e Goiás, embora com caracterísiticas específicas, o que reforça a tese de sua disseminação através da ação dos bandeirantes.

Dentro da sua área de ocorrência, o cururu paulista ainda pode ser encontrado nas festas dos bairros rurais, arrabaldes, capelas e pousos do Divino realizados em sítios. No entantanto, é provável que atualmente aconteçam mais cantorias na zona urbana do que na rural. O cururu, que durante um determinado período, ocupou grande espaço nos teatros, nas rádios e nas praças centrais, hoje sobrevive em espaços menores.

Ainda existem programas de rádio, principalmente em Sorocaba, mas não é algo tão comum pela região do Médio Tietê, como foi em outros tempos. Também são frequentes algumas cantorias promovidas pelas prefeituras em datas especiais ou por instituições como o Sesc. Porém, o principal espaço do cururu atual parece ser mesmo os bares, lanchonetes e festas privadas realizadas principalmente nas periferias das cidades.

A Viola e o Violeiro

De fato, a viola é o instrumento base da cantoria, embora não seja o único. Antigamente, era muito comum o uso do reco-reco ou reque-reque feito de bambu e também do adufe, irmão mais velho do conhecido pandeiro.

Hoje em dia, como a maioria das cantorias é realizada com o auxílio de aparelhagem de som, a viola reina quase exclusiva, às vezes acompanhada de violão. Nas apresentações ao vivo os instrumentos de percussão são menos utilizados do que em outros tempos, porém, nas gravações em estúdio o uso do pandeiro é constante. Ocasionalmente, há contra-baixo e violões. No cd “Os Reis do Cururu Sorocabano”, os cantores Rubens Ribeiro, Carlos Caetano, Cido Garoto e Dito Carrara são acompanhados pelo acordeonista Guazzeli.

Mas é a viola quem dita o ritmo da cantoria e há um discurso recorrente entre violeiros e cantadores, dando conta de que o acompanhante de cururu precisa possuir habilidades especiais. Dizem que mesmo o grande Tião Carreiro, apreciador de cururu, não conseguia acompanhar bem os cantadores.
Em seu livro “Cururu: retratos de uma tradição”, Cido Garoto, com autoridade de quem foi violeiro antes de ser cantador, explica as habilidades que o acompanhante de cururu deve ter:

O cururu não é como uma música sertaneja, com um mesmo ritmo do início ao fim. Por ser um repente, o cantador de cururu às vezes se enrosca, engole um tempo ou meio do compasso, pronuncia uma palavra muito comprida, perde a matemática e atravessa o ritmo.
O violeiro prático em cururu sabe de tudo isso e fica atento. Se acontecer, ele dá um repique no ritmo, podendo assim adiantar ou segurar o compasso. A platéia nem percebe.

Além de bom acompanhador, o violeiro precisa ser discreto. Afinal, é o cururueiro quem deve brilhar na cantoria. O violeiro também pode ajudar fazendo o baixão e ajudando na segunda voz, nos moldes de que fazia o “segunda” do cururu antigo.

Afinada normalmente em cebolão, a viola pode ser tocada de maneira simplesmente “batida” ou cheia de floreios e ponteados. Dizem que, no cururu antigo, a viola simplesmente acompanhava o ritmo da toada executada pelo cantador. Esse estilo de acompanhamento ainda é utilizado, mas hoje muitos violeiros gostam de tocar num estilo um pouco mais trabalhado, que mistura ponteios e preparações, além de manter o ritmo da toada.    

Assim como ocorre com os cantores, a maioria dos violeiros atribui seus dotes como músicos ao auto-aprendizado e a um dom divino. O discurso de que o talento para tocar viola está no sangue também surge com freqüência.

Muitos cantadores respeitados começaram como violeiros e daí migraram para a frente do palco. Jonata Neto foi violeiro de Luizinho Rosa, Sílvio Pais tocou para João Davi e Cido Garoto para Sílvio Pais e Dito Carrara. Até mesmo Manezinho Moreira, tido como o maior violeiro do período de mais sucesso do cururu piracicabano, acabou assumindo a posição de canturião.

Sérgio Santa Rosa é jornalista e autor do livro “Prosa de Cantador”, à venda pelo site www.abacateiro.com

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